O Min. Marco Aurélio (STF) foi apelidado de “Senhor Voto Vencido”, porque, de cada três ações que o Supremo Tribunal Federal julga, ele acaba vencido em uma.
Mas, o que pode(ria) ser interpretado como sinal indicativo de equívoco no exercício da judicatura é, na realidade, a demonstração de que é preciso resistir para existir democraticamente. E isso fica mais evidente quando o assunto é a defesa da liberdade, conforme se extrai dos exemplos abaixo:
1. Inconstitucionalidade da Proibição de Progressão de Regime Prisional em Crimes Hediondos
A Lei 8.072, de 25 de julho de 1990 – em sua redação original – determinava que os condenados pela prática de crimes hediondos e equiparados a hediondo (tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e terrorismo) não teriam direito à progressão de regime, devendo cumprir a pena em regime integralmente fechado. No ano de 1992, o Min. Marco Aurélio levantou a inconstitucionalidade do art. 2º, §1º, da Lei n. 8.072/1990 e seu voto acabou vencido (HC n. 69.657). Em 2006, há uma mudança radical e aquele voto vencido se torna vencedor (HC n. 82.959). Foram 14 anos de resistência.
2. Inconstitucionalidade da Prisão do Depositário Infiel
Contrário à prisão do depositário infiel, no ano de 1995, o Min. Marco Aurélio apresentou voto vencido, ao entender que a única prisão civil possível seria aquela decorrente de inadimplemento de obrigação alimentar (HC n. 72.131). No ano de 2008 o Excelso Pretório muda de entendimento e o seu entendimento passa a ser vencedor (HC n. 87.585). E lá se foram 13 anos de resistência.
3. Inconstitucionalidade da Prisão em decorrência de Condenação em 2ª Instância
Fazendo a defesa do art. 5º, inciso LVII, da Constituição da República (princípio da presunção de inocência), em 2016, mais uma vez o Min. Marco Aurélio ficou vencido (HC n. 126.292). Porém, apesar da apertadíssima maioria estabelecida em 2019, mais uma vez o voto vencido se tornou vencedor (ADCs n. 43, 44 e 54). Entre idas e vindas, lá se foram mais alguns anos de resistência.
Apesar de todas as – justas – críticas desenvolvidas à perspectiva juspositivista de Direito, em momentos de instabilidade democrática, com tendências autoritárias e fascistas, a defesa da ordem constitucional se apresenta como (um) instrumento de resistência para permitir a existência. Por essa razão, diante do possível desencanto, em face do decisionismo e do desprezo ao Estado Democrático de Direito, em seus 30 anos de STF, a atuação do Min. Marco Aurélio é um capítulo do nosso – recente – constitucionalismo que interpela a todos eticamente comprometidos com a defesa da liberdade: é preciso resistir para existir!