O Supremo Tribunal Federal finalizou o julgamento da ADI 4273, ajuizada pela PGR (Procuradoria Geral da República), objetivando reconhecer a inconstitucionalidade da extinção da punibilidade em caso de pagamento integral do débito nos crimes contra a ordem tributária. Segundo o v. acórdão do Excelso Pretório, deve prevalecer os princípios da intervenção mínima e da proporcionalidade, razão pela qual, o pagamento do tributo devido deve ser mantido como causa de extinção da punibilidade nos crimes fiscais, independentemente do momento em que ele venha a ocorrer.
Confira a íntegra da ementa:
PENAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CRÉDITO TRIBUTÁRIO. REFIS. LEI N. 11.941/2009, ARTS. 67, 68 E 69. LEI N. 10.684/2003, ART. 9º, §§ 1º E 2º. CONTINÊNCIA EM RELAÇÃO À ADI 3.002, JULGADA PREJUDICADA. PRELIMINAR SUPERADA. LEI POSTERIOR QUE DISCIPLINOU A SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA EM RAZÃO DO PARCELAMENTO. PERDA PARCIAL DE OBJETO DA AÇÃO. MÉRITO. INCOMPATIBILIDADE COM OS ARTS. 3º, I A IV, E 5º, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE PROTEÇÃO DEFICIENTE. INOCORRÊNCIA. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA, FRAGMENTARIEDADE E PROPORCIONALIDADE. CONSTITUCIONALIDADE.
- A ADI 3.002, em que arguida a inconstitucionalidade do art. 9º, §§ 1º e 2º, da Lei n. 10.684/2003, foi julgada prejudicada por força de decisão do ministro Celso de Mello proferida em 14 de dezembro de 2009. Não subsiste, portanto, a relação de continência, sustentada nas informações apresentadas pelo Presidente da República, a justificar a reunião do presente processo ao revelador daquela ação direta.
- A Lei n. 12.382/2011, em seu art. 6º, acrescentou os §§ 1º a 5º ao art. 83 da Lei n. 9.430/1996 e limitou expressamente a extinção da punibilidade por parcelamento formalizado antes do recebimento da denúncia (Lei n. 9.430/1996, art. 86, § 6º, c/c Lei n. 9.249, art. 34).
- Como a Lei n. 12.382/2011 disciplinou, em momento superveniente, apenas a extinção da punibilidade em consequência do parcelamento, sem dispor sobre o pagamento, permanece em vigor, para a satisfação integral do crédito tributário, a regra constante do art. 69 da Lei n. 11.941/2009, impugnada na presente ação, que admite efeitos penais independentemente de o pagamento ter ocorrido antes ou depois do recebimento da denúncia.
- Revela-se prejudicada a arguição de inconstitucionalidade em relação ao art. 68 da Lei n. 11.941/2009, na linha da firme jurisprudência deste Tribunal (ADI 2.087, Plenário, ministro Dias Toffoli, DJe de 8 de maio de 2018; e ADI 2.542 AgR, Plenário, ministro Luiz Fux, DJe de 27 de outubro de 2017).
- Os arts. 67 e 69 da Lei n. 11.941/2009 e o art. 9º, §§ 1º e 2º, da Lei n. 10.684/2003, questionados em face da Constituição Federal, previram medidas despenalizadoras quanto aos delitos dos arts. 1º e 2º da Lei n. 8.137/1990 e dos arts. 168-A e 337-A do Código Penal, consistentes na suspensão da pretensão punitiva estatal em consequência do parcelamento de débitos tributários de que trata a Lei n. 11.941/2009, bem assim na extinção da punibilidade do agente caso seja realizado o pagamento integral.
- A extinção da punibilidade como decorrência da reparação integral do dano causado ao erário pela prática dos crimes contra a ordem tributária constitui opção política há muito adotada no ordenamento jurídico brasileiro, o que demonstra a prevalência do interesse do Estado na arrecadação das receitas provenientes dos tributos, para consecução dos fins a que se destinam, em detrimento da aplicação da sanção penal ao autor do crime.
- O parcelamento e o pagamento integral dos créditos tributários, além de resultarem em incremento da arrecadação, exercendo inequívoca função reparatória do dano causado ao erário pela prática dos crimes tributários, funcionam como mecanismos de fomento da atividade econômica e, em consequência, de preservação e geração de empregos. Concorrem, em última análise, para o cumprimento dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, previstos no art. 3º da Carta Magna, a saber: (i) construção de uma sociedade livre, justa e solidária; (ii) garantia do desenvolvimento nacional; (iii) erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais; (iv) promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
- A preponderância conferida pelo legislador à política arrecadatória, em relação à incidência das sanções penais, guarda conformidade e harmonia com os princípios da intervenção mínima (ou da subsidiariedade) e da fragmentariedade (ou essencialidade), que informam o direito penal. Tais princípios constituem expressão do postulado constitucional da proporcionalidade, que extrai seu fundamento constitucional do devido processo legal em sua acepção substantiva (CF, art. 5º, LIV).
- A sanção penal deve ser a ultima ratio para a proteção do bem jurídico tutelado pelas normas instituidoras dos crimes contra a ordem tributária abrangidos pelas medidas despenalizadoras previstas na Lei n. 11.941/2009. Desse modo, a incidência da pena se justificará quando as normas tributárias que disciplinam a fiscalização e a arrecadação dos tributos – aí incluídas as reguladoras do parcelamento conducente à extinção do crédito tributário – se revelarem insuficientes para a proteção do bem jurídico tutelado pelas normas penais.
- Os arts. 67 e 69 da Lei n. 11.941/2009 e o art. 9º da Lei n. 10.684/2003 não contrariam o art. 5º, caput, da Constituição de 1988, tendo em vista que as medidas de suspensão e de extinção da punibilidade prestigiam a liberdade, a propriedade e a livre iniciativa ao deixarem as sanções penais pela prática dos delitos contra a ordem tributária como ultima ratio, em conformidade com o postulado da proporcionalidade e da intervenção mínima do direito penal.
- A suspensão da pretensão punitiva e do prazo da prescrição penal, decorrente do parcelamento dos débitos tributários, e a extinção da punibilidade, ante o pagamento integral desses mesmos débitos, mostram-se providências adequadas à proteção do bem jurídico tutelado pelas normas penais incriminadoras, porquanto estimulam e perseguem a reparação do dano causado ao erário em virtude da sonegação. Essas medidas afastam o excesso caracterizado pela restrição ao direito fundamental à liberdade, derivado da imposição da sanção penal, quando os débitos estiverem sendo regularmente pagos ou já tenham sido integralmente quitados, o que revela, nesse caso, a suficiência das normas tributárias para a proteção do patrimônio público.
- As medidas versadas nas normas questionadas se afiguram suficientes para a tutela do bem jurídico em análise, diante da previsão, pelo legislador, do sobrestamento da pretensão punitiva na esfera penal e do prazo prescricional para que o Estado a exerça. Rescindido o parcelamento tributário em razão do inadimplemento, caso subsista a lesão ao erário, a persecução penal se restabelecerá, podendo resultar na imposição de sanção privativa da liberdade ao autor do crime.
- Pedido prejudicado no que diz respeito ao art. 68 da Lei n. 11.941/2009 e julgado improcedente quanto às demais disposições legais impugnadas, declarando-se constitucionais os arts. 67 e 69 da Lei n. 11.941/2009 e o art. 9º, §§ 1º e 2º, da Lei n. 10.684/2003.
(ADI 4273, Rel. Min. NUNES MARQUES, Tribunal Pleno, v.u., j. 15/08/2023)
Para maiores informações, entre em contato com o nosso escritório.