Para o STJ, nos casos de homicídio, a pretensão acusatória na direção do dolo eventual deve descrever na denúncia a presença do elemento volitivo na conduta tida como delituosa, sob pena de ser afastada a competência do Tribunal do Júri para o julgamento do caso. Não havendo elementos capazes de concluir a indiferença ou aceitação do agente em relação à morte da vítima, não tem cabimento a tese de dolo eventual. Fazendo referência à precedente do próprio STJ, a decisão consignou: “A doutrina penal brasileira instrui que o dolo, ainda que eventual, conquanto constitua elemento subjetivo do tipo, deve ser compreendido sob dois aspectos: o cognitivo, que traduz o conhecimento dos elementos objetivos do tipo, e o volitivo, configurado pela vontade de realizar a conduta típica. Se o dolo eventual não é extraído da mente do acusado, mas das circunstâncias do fato, conclui-se que a denúncia limitou-se a narrar o elemento cognitivo do dolo, o seu aspecto de conhecimento pressuposto ao querer (vontade). A análise cuidadosa da denúncia finaliza o posicionamento de que não há descrição do elemento volitivo consistente em assumir o risco do resultado, em aceitar, a qualquer custo, o resultado, o que é imprescindível para a configuração do dolo eventual. Em obediência aos estreitos limites da via eleita, vislumbra-se a submissão do paciente a flagrante constrangimento ilegal decorrente da imputação de crime hediondo praticado com dolo eventual decorre da comparação entre a narrativa ministerial e a classificação jurídica dela extraída, que revela não estar configurado o elemento volitivo do dolo. Afastado elemento subjetivo dolo, resta concluir que o paciente pode ter provocado o resultado culposamente. O tipo penal culposo, além de outros elementos, pressupõe a violação de um dever objetivo de cuidado e que o agente tenha a previsibilidade objetiva do resultado, a possibilidade de conhecimento do resultado, o conhecimento potencial que não é suficiente ao tipo doloso. Considerando que a descrição da denúncia não é hábil a configurar o dolo eventual, o paciente, em tese, deu causa ao resultado por negligência. Caberá à instrução criminal dirimir eventuais dúvidas acerca dos elementos do tipo culposo, como, por exemplo, a previsibilidade objetiva do resultado (HC 44.782/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, Quinta Turma, DJ 1/2/2006, p. 577)”. Com esse entendimento, foi dado provimento ao recurso ordinário em habeas corpus para reconhecer a incompetência do Tribunal do Júri para o processamento e julgamento da ação penal movida em desfavor da recorrente, cuja conduta deve ser desclassificada para a modalidade culposa.
(STJ, RHC n. 126.003/BA, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, j. 17/11/2020, DJe 23/11/2020)